As cores do Arco-Íris

Mamma mia, here I go again… My my, how can I resist you.
Mamma mia, does it show again… My my, just how much I've missed you.
Yes, I’ve be…
O despertador começou a tocar e eu virei-me para o outro lado. Dormi muito mal de noite por isso era compreensível que quisesse dormir mais um bocado. Como se pressentisse as minhas intenções, o telemóvel começou a apitar de novo e, a seguir, o relógio. Quando tudo parou, eu suspirei aliviada. Estava cheia de sono mas aquela chinfrineira toda não deixava dormir ninguém. De repente, mesmo muito de repente, o telemóvel e o relógio recomeçaram a tocar em companhia com o rádio, que estava a dar a meteorologia.
Eu levantei-me logo, eram já um quarto para os oito. Só faltava meia-hora para eu ir para a escola, era uma desgraça! Quase chorava ao olhar para o espelho, o meu cabelo estava todo embaraçado e eu parecia, francamente, um monstro!
De seguida bati à porta do meu irmão para dizer-lhe as horas. Ele resmungou e fez-se silêncio. Deduzi que se tinha voltado para o outro lado, dormir era pelos vistos a actividade preferida da minha família.
- Anda, Marcell! Olha que vamos chegar atrasados.
- Diz à mãe para te levar, eu vou mais tarde... – Eu já
estava a saltitar, apressada.
- Mas ela ainda não acordou! – gritei eu, para a porta.
Os meus pais insistiram sempre em levar-me para a escola e sempre o tinham feito até o meu irmão ter arranjado a carta de condução. Agora, eles não viam a necessidade que tinham de se levantar a horas e eu acabava sempre por chegar atrasada, já que:

a) O meu irmão nunca acordava a tempo;

b) Os meus pais levantavam-se um quarto-de-hora antes da minha hora de entrada para a escola, mesmo que já estivessem acordados há meia-hora atrás.

Desde o que se passou na minha infância que não posso ir e vir a pé da escola e que tenho sempre alguém a vigiar-me para onde quer que me dirija! É um aborrecimento. Se eles não querem saber de mim, para que é que se dão sequer ao trabalho?
Fui para a cozinha e sentei-me num banco à espera. Faltavam dez segundos.
- Cinco, quatro, três, dois, um, - contei eu, a sorrir – zero!
Ouvi logo de seguida o meu irmão a sair apressado do quarto com a roupa na mão e uma toalha na cabeça. Sempre despistado, acabou por deixar cair as meias e quem havia de estar, senão eu, para as apanhar?
- Obrigada, Seph!
Quando ele finalmente se conseguiu despachar, corremos para fora de casa. Os meus pais não tinham ainda acordado.
Bati à porta da sala e a stôra de Físico-Química simplesmente ignorou o meu toque. Ela, uma mulher já de uma certa idade, estava já tão habituada ao meu atraso que não ligou. A única coisa que eu devia fazer seria entrar e sentar-me numa cadeira vazia, enquanto a professora ia-me dando descomposturas de uma forma indirecta.
Nos primeiros dias em que ela me começou a ignorar, eu julgava que era da idade, que ela já não ouvia muito bem. Lembro-me de ter chamado em voz alta a minha colega da frente, a Patrícia, e lhe ter perguntado uma resposta para um teste e ela nem notava. Isso repetia-se frequentemente, até eu ter a ousadia de dizer em voz alta:
- Eh, eh! Stôra! – gritei eu.
Não estava a perceber nada de um exercício embora a stôra estivesse ainda a explicar à turma a sua resolução. Ao ver que ela não me ouvia, comentei com a Joana: - Esta professora não ouve nada, fogo! Coitada, já devia ter ido para a reforma mas o Estado não deixa...
Mal eu disse isso, ela olhou em frente e fuzilou-me com o seu olhar. Eu nem
precisei de dizer nada, meio minuto depois já estava na rua. A partir daí, a
stôra pôs-me rótulos de aluna mal-criada e desobediente, enquanto que eu era das poucas que trabalhava nas aulas!
Assim que saímos da sala, eu respirei o ar puro e fui ter com a Marisa. A Marisa era a minha melhor amiga e era absolutamente o meu oposto. Tinha o cabelo comprido, muito loiro e encaracolado e olhos castanhos brilhantes enquanto que eu era morena de olhos castanhos vulgares e o meu cabelo era liso e um pouco espigado. Estava vestida com um vestido cinzento que lhe moldavam o corpo elegante – eu, ao lado dela, sentia-me sempre uma baleia – e os seus olhos estavam calorosos, há espera do meu tão famoso ataque de fúria.
- Diz lá, Seph. O que foi, foi aquela “bruxa” outra vez?
- Claro que sim, quem é que querias que fosse? Ela odeia-me!
- Ai, Seph... Que exagerada! Olha que eu sento-me ao teu lado todos os dias e ela nunca refila.
Eu revirei os olhos. – Tu és sempre tão atinada! E mesmo que fales nenhum professor te chamaria à atenção. Tens um ar angelical, Mary... Tu sabes disso!
- Até parece! – exclamou ela, dando-me um pequeno murro no braço. Ela, curiosamente, nunca tinha reparado que ninguém a chamava a atenção e que conseguia tudo dos professores pelo seu aspecto. Bastava um sorrisinho e tinha-os na mão (e ajudara-me imensas vezes a convencer os meus pais a deixarem-me ir a jantares e almoços com amigos) mas ela nunca se apercebera. Era estranho. – Oh meu Deus... Esse colar... Foi o Gonçalo que te deu?
- Bem, sim... – respondeu ela, com o colar na mão. Era um colar lindo cheio de pérolas e em que no centro tinha um topázio verde... Um verde azulado, da cor anil! – Ele deu-me isto como prenda do Dia dos Namorados mas adiantada já que ele vai para fora com os pais nessa data.
- Eu cá só vou festejar o dia 13.
- Porquê?
- Não sabes? É o dia dos solteiros!
- Mas tu podias não ser solteira, tu é que assim o queres.
- Claro, gosto de ser uma encalhada. Além disso, quem precisa de homens se tem uma amiga como tu?
Ela sorriu. Sabia perfeitamente que para mim ela era suficiente. Nunca estive preparada para uma relação e raramente me aproximava de algum rapaz. Ela não deixou escapar a oportunidade.
- Tu afugentas qualquer rapaz que se aproxime, tu és lindíssima!
- Pois sim... Bem, vamos para a aula?
E assim fomos para a aula e o dia foi passando a correr. Mal dei por mim, estava a correr para casa. Encontrei a minha mãe no caminho e juntas fomos ao cemitério. Há muito tempo que lá não ia e queria “falar” com os meus avós. A minha mãe foi comprar flores enquanto eu me ajoelhei.

Avô, avó...
Não sei como hei-de dizer isto mas vocês já devem saber. O meu pai tem uma amante. A minha mãe não faz nada e eu não posso contar-lhe porque ele ameaçou-me...
Queria tanto que estivessem aqui comigo, ajudar-me-iam a passar estes tempos difíceis.
Vocês haveriam de se rir quando vissem o Marcell. Até eu, que sou adepta a novas tendências, fiquei horrorizada quando o vi de franja e com uma madeixa vermelha no lado esquerdo da cabeça. O meu pai achou imensa piada, eu fiquei de respiração suspensa e a minha mãe teve de tomar uma data de calmantes. Foi uma tarde complicada!
E a Mimi, está cada vez maior. E mais bonita cada dia que passa... Ela é o nosso raio de luz! E, sabes... (...)

- Sephora, tu não achas... tu não achas que se passa alguma coisa com o teu pai?
- Com.. o... meu... pai?
- Sim... Achas?
- Porque é que dizes isso, mãe?
Ela já se tinha apercebido. Mas eu não podia fazer nada, dera a minha palavra de honra aquele monstro...
- Porque ele, sempre que chega a casa e adormece, começa a chamar-me Tânia.
O que eu receava. Teria de desviá-la de uma conclusão certeira. Teria de mentir.