As cores do Arco-Íris

Sephora e Tânia seguiram pelas ruas movimentadas. Imensas pessoas tinham ido à baixa fazer compras, e elas tentavam passar despercebidas, mas… mal a vira, Sephora apercebera-se que isso não iria ser fácil.
Tânia, a amante do seu pai, era na verdade Rachel Sullivan, uma actriz tão bonita quanto famosa que já tinha feito muitos filmes, principalmente estrangeiros.
Agora, tentavam ao máximo não chamar as atenções, com roupas normais, óculos escuros e chapéus roubados.
- Que raio de óculos. Por amor de Deus! – resmungou Sephora, já à porta de casa de Tânia. – Ainda por cima, amarelos!!
- Para a próxima tiro uns roxos, não te preocupes! T_T
Assim que entraram, Sephora olhou em volta. A casa era muito luxuosa, no lado esquerdo havia uma cozinha decorada com diversos azulejos e com os electrodomésticos mais caros e uma mesa junta à parede, enquanto que no lado direito havia uma sala que era, se não mais, o triplo do tamanho da sua, em que havia três sofás e em frente uma televisão, um rádio e uma estante plena de Cds e de DVDs catalogados. Mais atrás havia uma pequena sala de jogos, com uma máquina de bilhar, travesseiros de xadrez e máquinas para fazer exercício. Sephora reparara que Tânia era muito elegante, talvez isso se devesse a essas pequenas máquinas para fazer exercício. Sephora tentou ligar a máquina do tapete rolante, mas a velocidade era tão grande que ela caiu de rabo no chão.
Do outro lado, havia uma pequena biblioteca, com diversas estantes cheias de livros de todos os géneros e com um pequeno sofá para ler à vontade.
- Estás a olhar muito para os livros… Se quiseres, podes escolher um e levá-lo… Quando o quiseres entregar, podes vir cá…
- Obrigada… - Sephora passou os olhos por uma placa de vidro que estava entre duas estantes. – Não acredito! Is… Isto são folhas manuscritas dos “Lusíadas”!?!?!?
- Sim... e são verdadeiras. Também tenho as de Gil Vicente, Thomas More, Shakespeare… São só algumas, as que consegui encontrar…
- Isso deve valer milhões!
- Pois… Mas se eu ganho muito, para quê esbanjar o dinheiro em coisas de que não preciso ou gosto? Prefiro investir o dinheiro ou oferecer prendas a alguém que precise.
Tânia sentou-se no sofá, em frente à televisão, e fez sinal para que Sephora se sentasse com ela.
- Então… Agora, podes começar o interrogatório.
- Bem… - começou Sephora, mas Tânia interrompeu-a.
- Espera… Tenho de dizer as palavras mágicas. – replicou. – “Está aberta a sessão!” Vá. Agora podes dizer…
Sephora franziu o sobrolho. Aquela mulher era de facto muito esquisita. Mas parecia simpática… Só não percebia o porquê de ter escolhido o seu pai como namorado.
- Bem… Há quanto tempo tu e o meu pai namoram?
- Há quase um ano, na verdade.
- Como é que se conheceram?
Tânia pegou num copo de uísque e deu um gole. – Foi na Primavera, quando eu estava a tirar umas fotos para o meu currículo de modelo. Ele aparecera e começara a conversar com o fotógrafo. Ao que parecia, eles eram grandes amigos.
- Amigos?! O meu pai não tem amigos…

Tânia emendou – Conhecidos, digamos assim. Continuando… Ele começou a conversar e eu só olhava para eles… Será que a minha carreira não iria para a frente? Será que tinham encontrado outra modelo para participar e por isso não paravam de falar e de me deitar olhares? Eu já estava quase a ir embora, com os olhos marejados, quando o teu pai me agarrou por um braço.
- Onde vai esta menina bonita? – Disse-me ele. Eu já não estava a compreender… – Como te chamas?
- T… Aah… Rachel Sullivan. – Foi esse o primeiro nome que me veio à cabeça, uma mistura do primeiro nome da minha mãe com o apelido do meu primeiro namorado, aos doze anos. – Como está?
- Estou um pouco preocupado. Trabalho numa agência de publicidade e precisava de uma modelo bonita para um anúncio sobre perfumes. Mas nunca encontrei nada, até agora.
Aí eu fiquei radiante. Ele convidou-me para entrar nesse anúncio e assim comecei a ganhar os meus próprios tostões. Até que comecei a ser chamada para outros anúncios e depois para novelas. E ele ficou sempre lá, a ver-me e a apoiar-me. Eu era uma ingénua em termos de amor. Por isso, acreditava que o teu pai gostava mesmo de mim e que, um dia, formaríamos uma empresa só nossa, casaríamos e teríamos filhos. Mas sempre que eu falava disso, ele esquivava-se. Até que eu comecei a ouvir as notícias. Ele
não era apenas um publicitário, também era um arquitecto… E, ao que parecia, um edifício construído por ele tinha-se derrubado e tinha ferido uma data de moradores. Eu, mal ouvi essa notícia, não fiquei chateada por ele não me ter contado, nem nada do género. Fiquei apenas preocupada e liguei-lhe… Mas ele não atendia e o telejornal não parava de falar sobre isso.
“ Rodriguez é um arquitecto conhecido. Muitas das suas obras ganharam prémios internacionais, mas ele tem vindo a trocar gradualmente esta profissão por outra que tem vindo a desenvolver, como agente publicitário.
Há alguns anos atrás, fundou a sua própria empresa, agora já falida, com a ajuda monetária da sua mulher (...)”
Quando eu li aquilo, desliguei a televisão e fiquei estática. Não conseguia pensar e muito menos falar... Até que me recusei a acreditar que ele era casado e liguei-lhe a combinar um encontro.

- E o que é que aconteceu? – perguntou Sephora.
- Depois eu falei com ele e ele nem sequer negou. Ele chegou inclusivé a dizer que ia inventar calúnias e fazer com que perdesse tudo aquilo que sempre sonhara caso contasse a alguém o nosso relacionamento. E eu aceitei... estava completamente vidrada nele, Sephora. A minha vida amorosa nunca fora tão excitante e eu não compreendia que ele só me usava como um escape à monotonia. Até que te conheci e o comecei a evitar e ele recomeçou com as ameaças... E agora quero acabar com
a relação e tenho medo.
- Medo de quê?
- De, ao acabar com a relação, também acabar com a minha carreira!
- Mas tu és famosíssima, aqui e no estrangeiro! Podes muito bem encontrar outra empresa que te patrocine.
- Achas? Mas como?
- Entrando no jogo dele. Continua a trabalhar mas, ao mesmo tempo, vai procurando outra empresa que te defenda e patrocine.
- Mas e depois ele iludia-me e dizia-me que queria filhos meus... E eu contei-lhe que muitas das vezes já me sentira como se fosse uma criança órfã! Contei-lhe tudo e ele gozou comigo! Disse que era assim que devia ser... Que os filhos só tinham de viver com os pais e pronto, sujeitarem-se a tudo o que eles querem, sem hesitações.
- Mas porquê? Porque é que me está a contar isso? – perguntou Sephora, com lágrimas nos olhos.
- Eu... É porque eu estive na mesma situação que tu, quando era mais nova.
- Com a minha idade?
Ela hesitou. - Nã... Não. Eu tinha, nessa altura, oito anos.
- Quando eu era pequena, – recomeçou Tânia – o meu pai e a minha mãe não se davam, estavam apenas casados por conveniência. O meu pai tinha imensas amantes e a minha mãe não o encobria, passava a vida a dizer mal dele e a fazer-me sentir mal em ser filha dele. Eu cresci a ouvir que o meu pai era um bruto, um estúpido, um pobrezanas e que não devia existir. Ainda por cima, os dois batiam-se mutuamente... sempre achei isso hilariante, principalmente quando os telejornais agora falam de violência doméstica: no caso dos meus pais, iam os dois para a prisão porque, quando um dava, o outro correspondia.
- Coitada de ti... Tu odiava-lo?
- Não, nem por isso... Ele nunca pusera uma mão em cima de mim e brincava comigo sempre que podia... Mas também sabia ser reles e chamava-me muitas vezes nomes que me faziam sentir inferior. Mas era porque se sentia muito pressionado, ele trabalhava muito para eu ter uma boa vida e para a minha mãe poder esbanjar à vontade. A minha mãe também não era flor que se cheirasse, ela pregava-lhe imensas partidas, como substituir o sal pelo açúcar ou vice-versa, ou colocar pimenta na comida, mesmo sabendo que ele era alérgico a pimenta. Ela sempre me tentara pôr contra ele, fazendo-o sentir-se pessimamente, porque ele me adorava.
- E agora, onde é que eles estão?
- A minha mãe faleceu e o meu pai vive em casa da nova mulher. Eles são felizes e o meu pai está sempre a perguntar-me se preciso de ajuda e tem imenso orgulho em mim. Tomara que tu também ultrapasses as dificuldades com o teu!
Sephora passou as mãos pelos cabelos. – Duvido muito. Mas e então, já sabes o que vais fazer?
- Em relação ao teu pai?
- Sim...
- Não, não sei... Mas não quero que continues a sofrer por minha causa. E não podes ser vista cá, se ele descobre, mata-nos às duas!
- Não te preocupes, tudo se irá resolver. Havemos de dar um jeito nisso... juntas! – Sephora apertou as mãos de Tânia, para lhe dar força. – E agora tenho de ir...
- Adeus, Sephora. Obrigada por vires!
- De nada... Olha, posso levar um livro? *-* Depois devolvo-to!
- Okok. Qual queres?
- “O Anel” de Danielle Steel.
E, com o livro na mão, Sephora saiu... muito mais descansada em saber que não era a única cuja família parecia destruída...